domingo, 24 de abril de 2011

bem traçadas linhas de uma socialista

reproduzo uma crônica publicada ontem sobre a revolucionária rosa luxemburgo (e o lançamento de um livro que reúne toda sua obra epistolar) no sabático do estadão:


Minha querida Rosa, Acredito que você não considerará desrespeitosa esta forma de tratamento, principalmente vindo de um companheiro. A familiaridade para com você torna o desprezo impossível. Seu nome pertence até mesmo à lista mais concisa dos teóricos revolucionários, embora nossos acadêmicos marxistas, sempre prontos a citar Lukács e Lyotard, raramente citem Luxemburgo. Quando jovem militante - faz bastante tempo! - estudei o seu panfleto de 1900, Reforma ou Revolução, como pedra angular da tradição socialista. E também a sua análise da greve geral, escrita depois da revolução russa de 1905, que parece excepcionalmente oportuna hoje, quando no mundo todo as pessoas vão às ruas para protestar contra medidas de austeridade e exigir a deposição dos ditadores.

Talvez os "camaradas em suas poltronas" (para puxar um pouco as orelhas dos professores) ainda descubram que Luxemburgo é um nome que precisa ser lembrado. Mas as pessoas cujas suas ações políticas se inspiraram em seu trabalho preferem há gerações chamá-la Rosa. Os próprios anarquistas fazem isso! Talvez você se surpreenda. Eles a tratam como um espírito com o qual têm grande afinidade: a antítese de Lenin e de Trotski. De fato, você criticou os bolcheviques - embora não mais do que os bolcheviques criticaram a si próprios na época. E uniu forças com eles denunciando os de esquerda que inventavam racionalizações "progressistas" dos senhores da guerra dos seus países. (As coisas mudaram tanto em um século, Rosa! e ao mesmo tempo tão pouco!)

O carinho com que pronunciamos o seu nome não é, permita-me explicar, uma resposta sentimental aos seus escritos políticos. Eles são enérgicos, desprovidos de sentimentalismo, como os de qualquer outro polemista. Você não suportava os renegados. Alguém perguntou certa vez qual deveria ser o seu epitáfio e o de sua amiga Clara Zetkin, e você respondeu: "Aqui jazem os dois últimos homens da social-democracia alemã". O espírito da frase não foi apreciado pela liderança do partido, e nossas feministas a submeteram a um severo sermão. Você não seria muito útil para a esquerda americana contemporânea, na qual o policiamento recíproco do comportamento verbal muitas vezes é considerado ativismo.

Ao contrário, você foi mais de uma vez para a cadeia onde passou a maior parte da 1ª. Guerra Mundial; foi assassinada pela direita durante a revolução alemã de 1919, e o seu corpo foi jogado em um canal. Admiramos os mártires, mas em geral sem nos sentirmos intimamente ligados a eles. Isso mudou no início da década de 20, com a publicação das cartas que você escreveu na prisão.

Suponho que o seu ódio pela guerra e sua confiança em que ela e outras brutalidades sociais poderiam ser extirpadas, seriam considerados românticos, pelos padrões cruéis da realpolitik dos dias de hoje. Mas como você descreve os pássaros que pousam na janela da sua cela, seus momentos de euforia e desespero, os trechos de Goethe que tinha memorizado, a vontade de ver seu gato, Mimi - e parecia que você escrevia com o sangue que fluía em seu coração -, o leitor achou natural considerá-la amiga, ou quase. Você se tornou a nossa Rosa.

Há seleções da sua correspondência disponíveis em inglês, mas agora a Verso publicou a coletânea mais abrangente de suas cartas como o primeiro volume de uma edição de suas obras completas. É embaraçoso como foram poucos os seus escritos políticos e econômicos traduzidos na minha língua nos últimos 90 anos. É que nunca interessou aos chamados países socialistas divulgar a sua obra, pois o seu ódio pelo autoritarismo de todo tipo era tão claro. A equipe que organizou essa edição fez um trabalho fantástico, reuniu muitos itens que antes não estavam disponíveis em inglês e forneceu uma lista útil e extremamente completa dos nomes das pessoas às quais você escreveu ou mencionou de passagem. A tradução é uma versão reduzida de uma coleção alemã a qual, por sua vez, foi extraída de uma edição em seis volumes (que contém também cartões-postais e telegramas). Peter Hudis, o americano que faz parte da equipe de organizadores, também trabalhou no excelente Rosa Luxemburg Reader em 2004. Acaso essa reapresentação da sua obra em inglês corresponde a um aumento repentino de um público específico? Esperemos, mas tenho minhas dúvidas. Certamente foi útil o fato de existir uma fundação internacional Rosa Luxemburgo que prestou sua assistência na publicação do novo livro.

Revisitando-a nesse contexto, sou movido desta vez não tanto pelo lirismo, mas pela tremenda paixão sugerida numa centena de pequenos detalhes de sua vida de agente política - uma mulher que dedicou todo o seu tempo a organizações socialistas e trabalhistas. Em 1893, mal saída da adolescência, você estava em Genebra trabalhando num jornal destinado à classe operária do seu país, a Polônia. Além de escrever seus próprios artigos, você tinha de revisar o trabalho medíocre de outros colaboradores, pagar o impressor e ainda cuidar do ingresso clandestino de cada edição no país.

Os conflitos, pessoais e políticos, nunca cessaram. Nem a escassez de dinheiro. E quando você se estabeleceu na Alemanha - casando com um companheiro a fim de obter a nacionalidade - todas as tempestades e as tensões continuaram em um grau ainda maior. Em seus artigos você criticou energicamente os carreiristas e os indecisos, mas aqui há tão pouca amargura (mesmo quando você é atormentada pelos canalhas e porcos sexistas) numa atitude, se não santa, pelo menos exemplar. O autorretrato contido nessas páginas é o da revolucionária profissional cuja vocação é, perdoe a expressão, espiritual.

Minha missiva saiu mais longa do que eu pretendia, entretanto há mais uma coisa a ser dita. Enquanto você estava na prisão em 1917, escreveu a uma amiga dizendo: "Sei que para cada pessoa, para cada criatura a vida é a única coisa que realmente lhe pertence, e a cada mosquitinho que descuidadamente espantamos e esmagamos ... é como se o fim do mundo fosse a destruição de toda vida". Lendo essa passagem, e muitas outras páginas desse livro, não pude deixar de me apaixonar por você, Rosa querida.

Por favor considere-me pois, agora, e sempre, o seu, pela revolução, S.



Tradução de Anna Capovilla

Scott McLemee faz parte do Conselho Editorial da publicação New Politics

quinta-feira, 7 de abril de 2011

sobre os jovens lutadores de ontem e hoje

no rosto ainda não tinham as marcas do tempo. vestiam jeans e camiseta. os tênis sujos e baixos se remetiam à época que brincavam de bola na rua. atentos ouviam relatos sobre dias de bestialidade. era 1º de abril de 2011 – há 47 anos logrou-se o golpe militar no brasil, que se forjou como um intento claro de interromper a entrada em cena dos trabalhadores e da massa oprimida como sujeitos da história. as mortes, a tortura os seqüestros e repressão de outrora funcionam ainda hoje como uma máquina do estado burguês de moer gente. e como uma máquina que também nos recria como uma gente sem história.

chegaram cantando. lá de dentro ouvia-se que aquele era dia de reconstruir a memória. punhos fechados, dedos em riste. a veia saltada na garganta. os sorrisos eram macios e iluminados. não traziam nas costas o peso das derrotas. mas carregavam nas mãos a bandeira das gerações anteriores: ‘abaixo a ditadura! povo no poder!’. entendiam que é preciso se rebelar contra as correntes do passado, que representam as apostas estratégicas equivocadas, e que teimam em atar nosso futuro [‘desatai o futuro!’ – grita maiakovski do ano de 1917].

sentados no chão seguiam ouvindo os relatos dos dias de chumbo. os ouvidos arderam com a história do jovem trotskista torturado e assassinado pelas mãos dos militares e da polícia política. se emocionaram ao ouvir do veterano declarar: ‘a partir de hoje vocês não podem mais dizer que não viveram tudo isso’. a memória, tão desbotada pela ação consciente e cretina das classes dominantes, recobrou suas cores e traços nas dezenas de olhos marejados. olavo hanssen simbolicamente renasceu ali. ele ressurgiu no compromisso de combate. combatemos por nós e pelos que estão a caminho. mas é também para honrar e fazer valer a luta dos que tombaram no fronte.

no outro dia, numa pichação em um muro da vizinhança, reconheci o rosto dos meus companheiros: ‘arquivos da ditadura – abertura já!’.


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somos a juventude que pulsa no ritmo de tahir. aprendemos a falar árabe em 11 de fevereiro deste ano. nossos professores, os trabalhadores em greve de suez. somos a juventude que exercita o francês desde 68 e no ano passado nos lembramos que este é um idioma conhecido. nas ruas de atenas, ao lado do povo, entregamos a papandreou um presente de grego: greve geral contra os ajustes do governo! na semana passada subvertemos a formalidade do chá das 5 nas terras da rainha. abram espaço para uma nova juventude! ela é valente, aguerrida e vermelha.


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http://www.ler-qi.org/spip.php?article2865

http://www.ler-qi.org/spip.php?article2866